Batem três vezes à porta
do gabinete, soando a pancadas de Molière atrasadas para o início da cena.
Entram e saem num desfile de personagens onde cada uma se assume como
principal, tal procissão de pecadores à procura de um santo de bata branca,
anjo sem aréola, que lhes encomende a calma ou o perdão, heterónimos diferentes
de um mesmo autor - a preocupação.
Em cada didascália
antevê-se o tom das palavras e a educação de quem as figura – respeitando, com
cautela, as surpresas que tornam o espectáculo mais curioso. Com a devida
licença, ou sem ela – porque a porta está ali para se abrir e a cadeira para se
sentar -, representa-se a ansiedade da mudança para algo errado, uma sensação
de desconhecimento do normal que preocupa tanto por existir como por estar
ausente e que apela à ciência das máquinas que vêem o corpo por dentro, quando
os olhos do médico, mesmo em jejum, não imaginam que males ocupam o físico. Pudesse
aparecer Blimunda para sossegar a angústia daqueles que, ao princípio, temem
ver o sangue sair e os aparelhos a entrar, mas que, no fim, ainda temendo,
acabam resignados e convencidos de que o esforço será pago em anos com saúde.
Representam ainda, segundo apartes dissimulados em texto principal, personagens
ousadas à procura de uma misericórdia qualquer, um motivo, caído dos céus, para
o repouso, já que o corpo, com o calor, fica mole e alma não tem vacina para o
ócio – vacina esta que poderia ser negociada com a personagem seguinte, por
agora secundária, preocupada em relembrar os médicos dos novos produtos, fosse
a própria uma daquelas ampolas que estimulam a memória, como não falha o que
dizem os estudos e relatam outros médicos (caso para escrever “sic”). Lê-se
ainda a esperança de não tardar mais a Primavera, que a luz já mexe e brilha
com intensidade, enquanto outros, já iluminados, cuidam da felicidade de se
verem perpetuados no tempo, por um novo sorriso na Terra.
Assim, quem sobe ao palco,
quer para sentir com tranquilidade o último aplauso, quer para sentir, na
novidade, o nervosismo do princípio de uma carreira, procura no Médico de Família
os melhores adereços, para que o cenário seja belo e todo o espectáculo um
sucesso. O Médico de Família, historiador à procura dos vestígios do passado,
juiz e professor do presente, polícia de um futuro que se quer seguro, guarda,
em cofre blindado, a confiança de que as preciosas vidas que acompanha seguirão
imaculadas. Um aplauso para ele!
Inspirador! :)
ResponderEliminarEstá excelente! ;)
ResponderEliminarIncrível, sempre a surpreender-me Bandovas. Não sabia deste teu talento para a escrita. Está mesmo muito bom.
ResponderEliminarRochinha