quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Não sou, por ser tanto...


(Recomendação prévia: relembro que o nome deste espaço é "Galeria do Fingimento", logo não é saudável, nem correcto, inferir qualquer traço da minha real personalidade a partir dos textos publicados. Apenas gosto de inventar! Avisar também que os erros do texto foram propositadamente cometidos, mas isto entende como quiseres.) :)

Normalmente não sou redundante e geralmente não me costumo repetir. Por isso, admito que na maioria das vezes surge em cada frase uma nova ideia, isto é, regularmente não caio em tautologias. Ou seja, é certo que usualmente não recorro a pleonasmos nem a outros ciclos viciados de ideias, que em mim não são costumes. De um modo geral evito iniciar parágrafos com ideias anteriores porque perissologias não me dizem nada, nem nada me dizem.  

Os sinais de pontuação as regras da gramática e a otroragfia são imperativas para mim Respeito-as porque tão bem as oiço e tão bem me falam (interessante ouvi-las apenas quando as vejo) Respeito-as porque tão bem vos prendem oh palavras Palavras ou rabiscos que tão bem este branco sujam

Concluindo, que adoro começos, sou admiravelmente sério. Apaticamente folião. Se uma linha fosse, seria uma recta negra num quadro negro. Uma vela acesa num copo tapado. Uma estátua qualquer em verso cantado. Mas não sou, por ser tanto… 


quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Hoje acordei e resolvi...

(O texto deve ser lido ao som do vídeo que o acompanha, uma vez que é inspirado na sua melodia).
             Hoje acordei e resolvi verificar o compasso: um fatídico ternário que, apesar de taciturno, não faria antever cadência tão perfeita.
            Tudo começou num súbito doce e simples, numa suavidade inelutável, mas irracional para quem desconhecesse o passado daquele fá vazio caminhando numa marcha lenta, mas movimentada. Encontrava-se visivelmente sobressaltado, com o coração arrítmico em semicolcheias desligadas, dando dó, num tom meio alterado.
            Após a pausa, seguiu em redor de lá em lamentos agudos, cuja repetição incoerente, num piano mais profundo, revelava alguma conformidade. Mas quando olhou o ponto dominante, com valor de reticências, cresceu assombrosamente na oitava, mergulhando num êxtase surreal, numa alegria boémia, apaixonada.
            De seguida, com a tranquilidade melancólica - mas radiante - de quem observa o divino, aproximou-se da sua tónica... Quando estava quase a alcançá-la, começou a soluçar em colcheias, num contratempo sorumbático: ela não estava lá...
            A alegria modulou-se numa desesperada agonia. Os gritos penetrantes, que saltavam em sétimas, diminuíam a força do sol que nunca se chegou a mostrar. O fôlego breve desapareceu, dando lugar a lamúrias contidas e rápidas - mas igualmente sofridas - que se repetiam, cada vez mais fracas, cada vez mais mortas...
            Olhava para trás e pensava em si, diminuído por circunstâncias atonais, movimentos contrários sem consonâncias paralelas e diabólicos trítonos.
            O fim é expectável: nenhuma tríade poderia mais suportar tamanha dor. Então, cambaleando num coxo retardado, é finalmente sentenciado por um doloroso trilo, que o faz perder-se, como tanto desejava, na sua tónica.

domingo, 18 de dezembro de 2011

Ensaio Ontológico

A noite está escura… Talvez a luz esteja tão cara que mandaram desligar o céu, mas, pelo menos, ainda me tocam nos olhos as luzes da rica cidade. Também chove… As telhas são regadas com o vigor de um tímpano espancado na cadência de uma orquestra. Também está frio, mas a chávena de café escalda-me o toque, enquanto me violenta o gosto e me abre o olfacto.

Sossego o corpo num só trago. Já a cabeça, essa desvariada, insiste, inquieta, em devaneios escusados, mas com uma lucidez que nem sempre possuo.

Apaguem-me o olhar, mas não me cegarão a alma - todo o cego se reconhece ao espelho. Calem-me os ouvidos, mas não deixarei de ser música - todo o mudo cantaria se Deus lhe tivesse dado voz. Tirem-me o perfume da Primavera, mas não me tirarão o prazer de plantar rosas. Afoguem-me o sal do paladar, mas não me impedirão de nadar no mar. Rasguem-me o tacto, mas não deixarei de arder, nem de gelar - toda a pele queimada sente, pelo menos, dor.

Sentindo o mundo mutilado, continuo pensando-o inteiramente. Mais real, mas ainda pouco autêntico, noto que cresci na luz da manhã, na gargalhada alta, no aroma da terra seca, no gosto acre da oliva, no calor do sol. Desde sempre, por isso, construo enganos em mim. Aprendo erros e ensinam-me a errar.

É tempo de me desfazer em verdades. Renasço num outro lugar, como nunca nasceu ninguém. Renasço num mundo que nunca senti, nem sentirei. Renasço inato, sem intenção, com um coração que bate, um par que respira e um corpo que mexe. Uma massa de vida, que nada é mais do que isso. Vida!